terça-feira, 18 de novembro de 2014

O sonho, a esperança, a insegurança e a saudade

Mais um excelente artigo do Veterano e Escritor Espedito Moreira (Colunista do nosso Blog e do Site da AVCFN).


O SONHO, A ESPERANÇA, A INSEGURANÇA E A SAUDADE
 (*) Por Espedito Moreira de Mello
O ano de 2014 está acenando o seu adeus, está indo embora como foram tantos outros. Para nós, brasileiros, vários fatos importantes ocorreram no seu transcurso. Ficam registrados realizações, aprendizados, benefícios, frustrações, em maior ou menor grau de significação.
A realização da Copa do Mundo de Futebol no Brasil, para os torcedores tupiniquins, foi um grande feito, mas o sonho do hexa não passou de um sonho. Vimos o maior fiasco jamais proporcionado pela nossa seleção em campos de futebol. Perder ou ganhar faz parte do esporte de competição. Sair vitorioso é o fundamento da peleja, mas, mesmo que isso não ocorra, devemos expressar dignidade para o resultado adverso, e nunca deixar que o adversário nos humilhe por se teragigantado em virtude de nossa incompetência injustificável. Para quem assistiu, pela televisão, ao jogo Brasil x Alemanha, mesmo num minúsculo espaço, só ou acompanhado, ficou uma enorme sensação de angústia pelas seguidas vezes em que o nosso goleiro ia buscar a bola no fundo da rede; pior ainda, quando a câmara captava as fisionomias de milhares de torcedores transtornados pela decepção por estar vendo um espetáculo jamais imaginado. Depois desse resultado tão indigesto, aquele de 1950, imposto peloUruguai, perdeu totalmente a sua importância, tanto tempo que foi decantada pelos saudosistas.  
Restou o consolo, porque olhando pela ótica da organização e da administração do evento, podemo-nos orgulhar do resultado final. Custou muito dinheiro, mas empreendimentos dessa natureza requerem elevados valores monetários, envolvendo gastos e investimentos. O país não irá à falência por isso, e o visitante, certamente, não encontrou razão justificável para reclamar.
O jogador de futebol brasileiro é e continuará a ser o melhor do mundo. Vai continuar vencendo as competições mais importantes que forem promovidas entre todas as nações. Basta que a classe dirigente melhore a capacidade técnica e a capacidade administrativa para poder dirigir, com o êxito desejado, sem improvisações e teimosias, essa atividade, que é a paixão de todos os brasileiros.
Nem bem se havia encerrada a cerimônia de entrega da taça ao vencedor da competição, consagrada pelo gesto protagonizado pela presidente Dilma, com aquele ar de simpatia que lhe é característico, mesmo nessas ocasiões, toda a nação começava a se preparar para um longo e cansativo período de outras atividades, visando cumprir o processo democrático estabelecido pela nossa Constituição.
Logo, logo haveria eleição para Presidente da República, Governador de Estado, para um terço do Senado, para renovação total dos membros da Câmara Federal e das Assembleias Estaduais e Câmara Distrital. Cerca de 140.000.000 milhões de eleitores estavam aptos para exercerem o seu direito de ir às urnas.
 Ainda no início da campanha, houve a perda lastimável de um dos candidatos, o senhor Eduardo Campos, vítima de acidente aéreo. Seu desaparecimento precoce do então incipiente cenário político, independentemente da agremiação partidária que representava, consternou por alguns momentos toda a nação brasileira. Para seus familiares, foi uma perda irreparável.
Podiam ser candidatos à reeleição os atuais ocupantes dos cargos de Presidente da República, de Governador de Estado, e do Distrito Federal.
Aberto o processo, ouvem-se os costumeiros discursos incluindo promessas não convincentes e, não raro, a troca de acusações, descabidas ou não, envolvendo inclusive as figuras postulantes aos cargos mais elevados da estrutura administrativa do País.
A presidente Dilma Rousseff, num processo de segundo turno, foi reeleita com pouco mais da metade dos votos válidos. Nem todos os governadores candidatos à reeleição tiveram êxito.
Para o Brasil, temos um novo governo eleito. Os eleitores do candidato, senador Aécio Neves, segundo colocado, tinham preferência por um governo novo. Não foi possível. Agora, é preciso reconhecer a vitória da atual presidente e torcer para que ela construa a partir de janeiro uma estrutura nova de governo capaz de administrar a nação com eficiência, eficácia e efetividade. É o que todos esperam.
O país não está passando por um bom momento. Educação, Saúde, Segurança Pública, Transporte, Habitação entre outras funções são os espelhos desse momento ruim. Todas as funções preocupam. A mais significativa entre todas, na fase atual, é a Segurança Pública. A deficiência do Sistema alcança a maioria da população brasileira.
A deficiência do Sistema de Segurança Pública chegou, hoje, a uma situação insuportável. A televisão, o rádio e os jornais, nacionais ou locais, abrem suas manchetes diárias para transmitir um rosário de notícias de crimes bárbaros. São roubos, sequestros, assaltos, estupros, homicídios cujos agentes são marginais, adultos ou menores de idade, na maioria, já identificados, mas que o sistema não tem nenhum controle efetivo para impedir a continuidade de suas ações.
Hoje, as pessoas têm a sensação de insegurança mesmo estando em sua própria casa, transitando nas ruas, nos estabelecimentos comerciais, dirigindo no trânsito ou viajando de ônibus, nas salas de recepção de clínicas ou de hospitais e até mesmo nos templos religiosos. E pasmem: nem mesmo os asilos dos velhinhos escapam. As pessoas têm receio de motoqueiros, de indivíduos desconhecidos que se aglomeram próximo à sua residência, de mendigos pedindo ajuda, e até de elementos uniformizados. Tudo isso traz às pessoas a sensação de que poderão estar sujeitas a iminentes riscos dos mais variados efeitos desagradáveis.
Diante de tudo isso, fica a sensação de desproteção pelo poder público ao cidadão contribuinte. E a impressão de impunidade do marginal em virtude da incompetência da Administração Pública.
O criminoso de menor idade nem sequer vai preso, mesmo que cometa assassinato, estupro, sequestro, e sua vítima seja um pai de família, quando muito é apreendido, e sua excelência o juiz, no entanto, no que lhe concerne o entendimento, manda liberá-lo alegando falta de instalações adequadas para mantê-lo “hospedado”. O marginal adulto, mesmo sendo preso, na maioria das vezes, nem sequer responde a processo. Logo, logo estará solto para cometer novos delitos. O policial torna-se um revoltado por ver o seu esforço desqualificado diante da população que tem orgulho de defender.
O governo novo, a partir de janeiro próximo, tem de adotar ações para pôr um freio nessa situação. A população espera que haja uma reorganização do Sistema de Segurança Pública, dotando seus elementos dos recursos essenciais para o perfeito desempenho que dele se espera. É mais que imperativo a interação plena desses elementos. Temos de pôr um fim a essa mania de colocar a culpa no passado. Se o passado não foi bom, devemos aprender com ele e não usá-lo como elemento de justificativa. O ex-presidente Lula, durante seu primeiro mandato, vivia falando mal “da herança maldita”, referindo-se ao seu antecessor. Depois, para justificar sua possível reeleição, dizia: “se eu for eleito, não poderei falar mais da ‘herança maldita’, pois estarei falando de mim mesmo”. Foi reeleito. Não cumpriu a promessa. A atual gestão não se comporta diferente. Numa recentíssima entrevista do atual ministro da Justiça, sua excelência não se cansava de repetir a frase: “... no passado...”, naturalmente, para condenar o malfeito dos outros. Do jeito que está não é possível continuar, do contrário o tal estado de direito, tão apregoado pelo falatório político-jurídico, não passará de uma simples utopia.
Diante da situação atual, sou levado a recordar-me dos anos 1950 quando passei a morar na cidade do Rio de Janeiro. Solteiro, nos primeiros cinco anos, costumava transitar por qualquer bairro da cidade, incluindo toda a região metropolitana. Para tanto, viajava de bonde, trem, ônibus, barca, e de lotação – o famoso veículo de vinte lugares, mais veloz do que os atuais carros de Fórmula 1. Fui a muitos lugares, a qualquer hora, sem receio exagerado do risco que estava correndo. Naquela época, o pagamento de salário não era depositado na rede bancária. No final de cada mês, a gente era convocado para receber em espécie o que fazia jus. Recebida a merreca, tinha-se o cuidado, ao ir para casa, de escondê-la na vestimenta de modo a deixá-la fora do alcance do larápio. Numa única vez que facilitei, fui aliviado pelo gatuno. Aprendi a lição. Fiquei um mês “hospedado” no quartel e em falta com os credores. A verdade é que naquela época, salvo poucas exceções, os marginais, mais comuns, estavam inclusos nas categorias de “batedores de carteira” e de “aplicadores do conto do paco (ou do vigário)”. Não havia sequestro e o assalto era pouco praticado. Raramente, a violência estava inclusa nessas ações. Os meliantes aplicavam mais a habilidade manual ou verbal do que a força dos músculos ou a ameaça das armas.
No sexto ano, casei-me, besteira que muita gente cometia. Fixei residência no bairro do Rio Comprido, na Rua Santa Alexandrina, a poucos metros da Praça (ou do Largo) do Rio Comprido. Local ótimo para se morar.
Em virtude da nova situação civil, meu campo superficial de locomoção encolheu significativamente; as necessidades não eram tantas e a “delegada” exercia uma vigilância implacável.
Chegar às proximidades do meu então local de trabalho era relativamente fácil. Bonde, ônibus, lotação, dava para escolher. Havia um lugar para o qual a locomoção não era fácil – o Maracanã. Ir assistir aos jogos nesse estádio requeria uma complicada ação de engenharia. A mais racional era dirigir-se ao ponto de táxi na praça, formar um grupo e contratar um táxi para levar todos até o estádio. E a volta? Bom, na volta, todo mundo ia a pé porque não havia qualquer meio de transporte que atendesse.
É nesse ponto que está a mais significativa recordação: a saudade de quando morei naquela cidade. Na minha residência, o leiteiro e o padeiro passavam bem cedo.  Um deixava o leite (num frasco branco) e outro deixava o pão. Nunca um produto desses sumiu. Cedo ou tarde que abríssemos a porta, lá estavam como haviam sido deixados. 
A lotação do táxi que nos conduzia até o Maracanã era, quase sempre, composta de torcedores (vascaínos, rubro-negros, botafoguenses, tricolores) dos dois times, é claro, que disputariam a partida programada. Na ida, éramos, no máximo, cinco. Na volta, dezenas, centenas que caminhavam juntos, sem briga, sem discussões acaloradas. Quando muito, uma pequena gozação que ninguém era de ferro. Recordo-me de uma partida entre Flamengo e Vasco em janeiro de 1959, quando este se sagrou campeão de 1958, ou seja, “Super-supercampeão”, em virtude de uma combinação de resultados entre os dois times mais o Botafogo. Maracanã lotadíssimo, a partida ocorreu à noite e terminou por volta da meia-noite. Encerrado o jogo, pé na estrada, ou melhor, pé na rua. Saída pelo lado oposto à estação de São Cristóvão, rumo ao Rio Comprido passando por parte do bairro da Tijuca. Como era de costume: convivência tranquila, sem briga, sem ofensas. E como já disse: apenas algumas pequenas gozações que ninguém era de ferro.


(*) Veterano, escritor e membro da União Brasileira de Escritores – UBE/RN

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