Mais um excelente artigo do Veterano e Escritor Espedito Moreira (Colunista do nosso Blog e do Site da AVCFN).
O
SONHO, A ESPERANÇA, A INSEGURANÇA E A SAUDADE
(*) Por Espedito Moreira de Mello
O ano de 2014 está acenando o seu adeus,
está indo embora como foram tantos outros. Para nós, brasileiros, vários fatos
importantes ocorreram no seu transcurso. Ficam registrados realizações,
aprendizados, benefícios, frustrações, em maior ou menor grau de significação.
A realização da Copa do Mundo de Futebol
no Brasil, para os torcedores tupiniquins, foi um grande feito, mas o sonho do
hexa não passou de um sonho. Vimos o maior fiasco jamais proporcionado pela
nossa seleção em campos de futebol. Perder ou ganhar faz parte do esporte de
competição. Sair vitorioso é o fundamento da peleja, mas, mesmo que isso não
ocorra, devemos expressar dignidade para o resultado adverso, e nunca deixar
que o adversário nos humilhe por se teragigantado em virtude de nossa
incompetência injustificável. Para quem assistiu, pela televisão, ao jogo
Brasil x Alemanha, mesmo num minúsculo espaço, só ou acompanhado, ficou uma
enorme sensação de angústia pelas seguidas vezes em que o nosso goleiro ia
buscar a bola no fundo da rede; pior ainda, quando a câmara captava as
fisionomias de milhares de torcedores transtornados pela decepção por estar
vendo um espetáculo jamais imaginado. Depois desse resultado tão indigesto,
aquele de 1950, imposto peloUruguai, perdeu totalmente a sua importância, tanto
tempo que foi decantada pelos saudosistas.
Restou o consolo, porque olhando pela
ótica da organização e da administração do evento, podemo-nos orgulhar do
resultado final. Custou muito dinheiro, mas empreendimentos dessa natureza
requerem elevados valores monetários, envolvendo gastos e investimentos. O país
não irá à falência por isso, e o visitante, certamente, não encontrou razão
justificável para reclamar.
O jogador de futebol brasileiro é e
continuará a ser o melhor do mundo. Vai continuar vencendo as competições mais
importantes que forem promovidas entre todas as nações. Basta que a classe
dirigente melhore a capacidade técnica e a capacidade administrativa para poder
dirigir, com o êxito desejado, sem improvisações e teimosias, essa atividade,
que é a paixão de todos os brasileiros.
Nem bem se havia encerrada a cerimônia
de entrega da taça ao vencedor da competição, consagrada pelo gesto protagonizado
pela presidente Dilma, com aquele ar de simpatia que lhe é característico,
mesmo nessas ocasiões, toda a nação começava a se preparar para um longo e
cansativo período de outras atividades, visando cumprir o processo democrático
estabelecido pela nossa Constituição.
Logo, logo haveria eleição para
Presidente da República, Governador de Estado, para um terço do Senado, para
renovação total dos membros da Câmara Federal e das Assembleias Estaduais e
Câmara Distrital. Cerca de 140.000.000 milhões de eleitores estavam aptos para
exercerem o seu direito de ir às urnas.
Ainda no início da campanha, houve a perda
lastimável de um dos candidatos, o senhor Eduardo Campos, vítima de acidente
aéreo. Seu desaparecimento precoce do então incipiente cenário político,
independentemente da agremiação partidária que representava, consternou por
alguns momentos toda a nação brasileira. Para seus familiares, foi uma perda
irreparável.
Podiam ser candidatos à reeleição os
atuais ocupantes dos cargos de Presidente da República, de Governador de
Estado, e do Distrito Federal.
Aberto o processo, ouvem-se os
costumeiros discursos incluindo promessas não convincentes e, não raro, a troca
de acusações, descabidas ou não, envolvendo inclusive as figuras postulantes
aos cargos mais elevados da estrutura administrativa do País.
A presidente Dilma Rousseff, num
processo de segundo turno, foi reeleita com pouco mais da metade dos votos
válidos. Nem todos os governadores candidatos à reeleição tiveram êxito.
Para o Brasil, temos um novo governo
eleito. Os eleitores do candidato, senador Aécio Neves, segundo colocado,
tinham preferência por um governo novo. Não foi possível. Agora, é preciso
reconhecer a vitória da atual presidente e torcer para que ela construa a
partir de janeiro uma estrutura nova de governo capaz de administrar a nação
com eficiência, eficácia e efetividade. É o que todos esperam.
O país não está passando por um bom
momento. Educação, Saúde, Segurança Pública, Transporte, Habitação entre outras
funções são os espelhos desse momento ruim. Todas as funções preocupam. A mais
significativa entre todas, na fase atual, é a Segurança Pública. A deficiência
do Sistema alcança a maioria da população brasileira.
A deficiência do Sistema de Segurança
Pública chegou, hoje, a uma situação insuportável. A televisão, o rádio e os
jornais, nacionais ou locais, abrem suas manchetes diárias para transmitir um
rosário de notícias de crimes bárbaros. São roubos, sequestros, assaltos,
estupros, homicídios cujos agentes são marginais, adultos ou menores de idade,
na maioria, já identificados, mas que o sistema não tem nenhum controle efetivo
para impedir a continuidade de suas ações.
Hoje, as pessoas têm a sensação de
insegurança mesmo estando em sua própria casa, transitando nas ruas, nos estabelecimentos
comerciais, dirigindo no trânsito ou viajando de ônibus, nas salas de recepção
de clínicas ou de hospitais e até mesmo nos templos religiosos. E pasmem: nem
mesmo os asilos dos velhinhos escapam. As pessoas têm receio de motoqueiros, de
indivíduos desconhecidos que se aglomeram próximo à sua residência, de mendigos
pedindo ajuda, e até de elementos uniformizados. Tudo isso traz às pessoas a
sensação de que poderão estar sujeitas a iminentes riscos dos mais variados
efeitos desagradáveis.
Diante de tudo isso, fica a sensação de
desproteção pelo poder público ao cidadão contribuinte. E a impressão de
impunidade do marginal em virtude da incompetência da Administração Pública.
O criminoso de menor idade nem sequer
vai preso, mesmo que cometa assassinato, estupro, sequestro, e sua vítima seja
um pai de família, quando muito é apreendido,
e sua excelência o juiz, no entanto, no que lhe concerne o entendimento, manda
liberá-lo alegando falta de instalações adequadas para mantê-lo “hospedado”. O
marginal adulto, mesmo sendo preso, na maioria das vezes, nem sequer responde a
processo. Logo, logo estará solto para cometer novos delitos. O policial
torna-se um revoltado por ver o seu esforço desqualificado diante da população
que tem orgulho de defender.
O governo novo, a partir de janeiro
próximo, tem de adotar ações para pôr um freio nessa situação. A população
espera que haja uma reorganização do Sistema de Segurança Pública, dotando seus
elementos dos recursos essenciais para o perfeito desempenho que dele se
espera. É mais que imperativo a interação plena desses elementos. Temos de pôr
um fim a essa mania de colocar a culpa no passado. Se o passado não foi bom,
devemos aprender com ele e não usá-lo como elemento de justificativa. O
ex-presidente Lula, durante seu primeiro mandato, vivia falando mal “da herança
maldita”, referindo-se ao seu antecessor. Depois, para justificar sua possível
reeleição, dizia: “se eu for eleito, não poderei falar mais da ‘herança maldita’,
pois estarei falando de mim mesmo”. Foi reeleito. Não cumpriu a promessa. A
atual gestão não se comporta diferente. Numa recentíssima entrevista do atual
ministro da Justiça, sua excelência não se cansava de repetir a frase: “... no
passado...”, naturalmente, para condenar o malfeito dos outros. Do jeito que
está não é possível continuar, do contrário o tal estado de direito, tão
apregoado pelo falatório político-jurídico, não passará de uma simples utopia.
Diante da situação atual, sou levado a
recordar-me dos anos 1950 quando passei a morar na cidade do Rio de Janeiro.
Solteiro, nos primeiros cinco anos, costumava transitar por qualquer bairro da
cidade, incluindo toda a região metropolitana. Para tanto, viajava de bonde,
trem, ônibus, barca, e de lotação – o famoso veículo de vinte lugares, mais veloz do que os atuais carros de Fórmula
1. Fui a muitos lugares, a qualquer hora, sem receio exagerado do risco que
estava correndo. Naquela época, o pagamento de salário não era depositado na
rede bancária. No final de cada mês, a gente era convocado para receber em
espécie o que fazia jus. Recebida a merreca, tinha-se o cuidado, ao ir para
casa, de escondê-la na vestimenta de modo a deixá-la fora do alcance do
larápio. Numa única vez que facilitei, fui aliviado pelo gatuno. Aprendi a
lição. Fiquei um mês “hospedado” no quartel e em falta com os credores. A
verdade é que naquela época, salvo poucas exceções, os marginais, mais comuns,
estavam inclusos nas categorias de “batedores de carteira” e de “aplicadores do
conto do paco (ou do vigário)”. Não havia sequestro e o assalto era pouco
praticado. Raramente, a violência estava inclusa nessas ações. Os meliantes
aplicavam mais a habilidade manual ou verbal do que a força dos músculos ou a
ameaça das armas.
No sexto ano, casei-me, besteira que
muita gente cometia. Fixei residência no bairro do Rio Comprido, na Rua Santa
Alexandrina, a poucos metros da Praça (ou do Largo) do Rio Comprido. Local
ótimo para se morar.
Chegar às proximidades do meu então
local de trabalho era relativamente fácil. Bonde, ônibus, lotação, dava para
escolher. Havia um lugar para o qual a locomoção não era fácil – o Maracanã. Ir
assistir aos jogos nesse estádio requeria uma complicada ação de engenharia. A
mais racional era dirigir-se ao ponto de táxi na praça, formar um grupo e
contratar um táxi para levar todos até o estádio. E a volta? Bom, na volta,
todo mundo ia a pé porque não havia qualquer meio de transporte que atendesse.
É nesse ponto que está a mais
significativa recordação: a saudade de quando morei naquela cidade. Na minha
residência, o leiteiro e o padeiro passavam bem cedo. Um deixava o leite (num frasco branco) e
outro deixava o pão. Nunca um produto desses sumiu. Cedo ou tarde que
abríssemos a porta, lá estavam como haviam sido deixados.
A lotação do táxi que nos conduzia até o
Maracanã era, quase sempre, composta de torcedores (vascaínos, rubro-negros,
botafoguenses, tricolores) dos dois times, é claro, que disputariam a partida
programada. Na ida, éramos, no máximo, cinco. Na volta, dezenas, centenas que
caminhavam juntos, sem briga, sem discussões acaloradas. Quando muito, uma pequena
gozação que ninguém era de ferro. Recordo-me de uma partida entre Flamengo e
Vasco em janeiro de 1959, quando este se sagrou campeão de 1958, ou seja,
“Super-supercampeão”, em virtude de uma combinação de resultados entre os dois
times mais o Botafogo. Maracanã lotadíssimo, a partida ocorreu à noite e
terminou por volta da meia-noite. Encerrado o jogo, pé na estrada, ou melhor,
pé na rua. Saída pelo lado oposto à estação de São Cristóvão, rumo ao Rio
Comprido passando por parte do bairro da Tijuca. Como era de costume:
convivência tranquila, sem briga, sem ofensas. E como já disse: apenas algumas
pequenas gozações que ninguém era de ferro.
(*)
Veterano, escritor e membro da União Brasileira de Escritores – UBE/RN
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