É preciso que se diga sem qualquer ponto e vírgula que ouse se interpor ante essa que é uma das únicas verdades absolutas que me permito proclamar: o Restaurante Mussarela é o grande templo dedicado à devoção da cachaça na cidade do Rio de Janeiro.
E não me venham lembrar que a casa comandada pelo paraibano Carlos Antônio Clementino dos Santos não fica no município do Rio de Janeiro. Pois pior para o município do Rio de Janeiro! E sorte a de Duque de Caxias, cidade da Baixada Fluminense, limítrofe à capital, que pode se orgulhar dessa maravilha gastro-etílica – honra bem menos duvidosa do que a de ser a terra natal do blogueiro que vos digita.
O Mussarela atrai ao modesto bairro de São Bento festivas romarias de devotos para grandes celebrações ao espírito da cachaça. Vans saem de Botafogo; caravanas partem da Tijuca; táxis se esbaldam em corridas desde a Barra da Tijuca; todos se misturam aos locais nos dias desses eventos maiores do calendário cachacístico carioca: as famigeradas Degustações do Mussarela, cuja 30ª edição transcorreu no último dia 30 de agosto (a próxima ainda não tem data).
E que beleza de tarde, senhores, percorrida entre variadas e bem selecionadas cachaças e os acepipes de temperos nada tímidos da cozinha de Lúcia – que atura o Mussarela há algumas décadas. Tudo sabendo bem ao paladar dos devotos que comungavam o sagrado culto do encontro.
Falemos do Mussarela, ex-motorista de ônibus e ex-vendedor do queijo que lhe legou o apelido. Ainda bem moço, lá para os lados de Guarabira, o pai dava-lhe golinhos da cachaça Marimbondo para curar tossa braba e ziquizira. O gesto – que os pais de hoje não devem repetir – acabou dando régua e compasso para o botequim que o paraibano abriu, uns trinta anos depois. Não foi bem um pulo do gato; na verdade foi o do sapo – aquele que salta por precisão e não por boniteza. Mussarela estava desempregado. E optou por empreender.
O boteco foi crescendo e deu origem ao melhor restaurante nordestino de todo o Grande Rio, onde se come delícias como osso buco, buchada de bode, dobradinha, cabrito assado e carne de sol. E nada se compara à maravilhosa cremosidade do aipim cozido que se serve no recanto. A mandioca que se come no almoço até a manhã passada lá no campo ainda era raiz.
Não satisfeito com o nível dos comes, os bebes da casa se traduzem por dezenas, centenas, de rótulos de cachaças. Variedade e qualidade que, aqui no Rio, só se encontra – e a preços bem menos módicos – na Academia da Cachaça. Não há mistério: é que cachaça é a cachaça, a mania, a paixão do Mussarela. Ele vai a Salinas todos os anos, comparece às degustações do Tonel e Pinga, em Niterói, conhece os produtores, é amigo dos especialistas, reúne os conhecedores e devoros em sua casa. Ou seja, ele tem o que outros donos de restaurante não têm: conhecimento sobre o líquido precioso.
E ele se dá bem conhecendo mais o líquido do que o bruto da planilha. Já me contou que, como a margem por garrafa da cachaça é melhor do que a da cerveja, é da cana que escorre mais dinheiro limpo e merecido para o seu bolso de trabalhador.
As degustações são o grande momento de celebração – ali se encontram os comes de Lúcia, os bebes do Mussa e a disposição dos devotos. No último desses eventos, tachos de moela, língua ao molho, caldo de feijão e sarapatel brilhavam sob o sol caxiense. E a mesa de cachaças refletia a generosidade do dono da casa. Entre as dezenas de rótulos degustados, eu destacaria a Famosinha de Minas – que acaba de ganhar o prêmio de Melhor Cachaça do Concurso Mundial de Bruxelas –, a Rio do Engenho, de Ilhéus (envelhecida em tonéis de castanheira e louro-canela), que compareceu em belíssima forma, as fluminenses Menina do Rio e Werneck e a branquinha Matuta, uma maravilha olorosa de Areia (PB). Mas tinha para todo gosto, das mais óbvias às mais obscuras: Água da Mata, Coqueiro, Fascinação, Bento Velho, Fazenda Soledade, Nova Aliança, Magnífica, Chico Tobias, Minha Deusa, Claudionor, Decisão, Volúpia Envelhecida…
Claro que a tarde, no espaço cheio de verde especialmente planejado para a degustação, transcorreu no clima tranquilo e fraterno dos botequins mais bem frequentados, não estivessem lá presentes os venerandos confrades do Copo Furado e outros pinguços de alto nível. Mas tenho dúvida até agora, se as minhas repetidas visitas ao panelão de língua não foram notadas. Espero que, em caso positivo, relevem… O molho da Lúcia combinou à perfeição com a Rio do Engenho, numa harmonia que não era vista em Duque de Caxias desde o dia em que meu pai conheceu minha mãe, no Corte Oito, bairro a cinco quilômetros dali, numa tarde de missa em 1951.
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