sexta-feira, 24 de julho de 2015

Por que o caicoense fala tão alto?

Direto do Bar de Ferreirinha

Ciduca Barros
Escritor e colaborador do Bar de Ferreirinha

O grande caicoense Dr. José Augusto Bezerra de Medeiros afirmou certa vez que “o Seridó é uma civilização”. Concordo plenamente, e ainda acrescento que, dentro dessa civilização, o caicoense é uma casta à parte. Os caicoenses típicos, dentro desse pequeno universo, formam uma etnia separada: aloprados, arretados, vexados, agitados, sinceros, quase amalucados, ricos em histórias engraçadas e de voz com tonalidade acima do normal. É justamente por isso, e por outras facetas, que me orgulho de também ter nascido em Caicó.
Por que o caicoense fala tão alto? Defendo a tese de que a culpada é a Festa de Santana. Por quê? Eu tenho a explicação. Anualmente, são 10 dias de intensas atividades. Para aquela cidade afluem conterrâneos de todos os cantos do Brasil (e alguns até do exterior). Bailes, festejos de rua, vários parques de diversões em atividade e uma balbúrdia extrema obrigam as pessoas a aumentarem, em alguns decibéis, o tom das suas vozes a fim de se comunicarem inteligivelmente. A festa termina e o caicoense não consegue mais abaixar o tom da voz até a próxima Festa de Santana. Esta é a minha tese. Certo ou errado, o que quero dizer aqui, como todos sabem, é que falamos excessivamente alto. E para exemplificar, vou contar duas historinhas.
Primeira. Certa feita, três casais, amigos entre si, foram juntos passear no Rio de Janeiro. Na Cidade Maravilhosa, logicamente, visitaram os seus pontos turísticos, que são inúmeros. Certa noite, os seis combinaram ir assistir a um show no Canecão. Um dos casais necessitava, antes, cumprir um compromisso isolado. Por isso, acertou encontrar-se com os demais naquela casa de espetáculos. Quando o casal retardatário chegou, o show já havia começado e ele não sabia onde encontrar os demais naquela imensidão. Quem conhece o Canecão, quem esteve lá, sabe quão grande e barulhento ele é. Entraram no recinto e passaram a procurar os demais, sem sucesso. Depois de certo tempo, um segurança, vendo a aflição dos dois, quis saber o que os angustiava. Os caicoenses então explicaram que estavam no Rio de Janeiro a passeio, e que se encontravam ali no Canecão procurando dois casais amigos que vieram do Nordeste com eles, e, devido àquela multidão, não os estavam encontrando. O segurança pediu-lhes que descrevessem as pessoas procuradas e assim eles o fizeram. Para surpresa deles, o homem perguntou:
– Seriam umas pessoas que falam muito alto?
O casal logicamente confirmou que sim.
– Eu sei onde eles estão – disse o segurança.
E tranquilamente os levou até onde estavam os conterrâneos.
Segunda. Em 2012, estive em Caicó, na Festa dos Ex-Alunos do GDS (Ginásio Diocesano Seridoense), ocasião em que autografei alguns exemplares do meu livro anterior “Minha Gente Engraçada do Seridó”.  Levei a minha neta (8 anos) que ainda não conhecia aquela abençoada terra. No caminho, ela me surpreendeu com uma pergunta:
– Vovô! Lá em Caicó eu tenho que falar alto?
De antemão, sabendo o que iria acontecer ali, respondi:
– Quando chegarmos lá você decide.
A Festa dos Ex-Alunos, como vocês de Caicó sabem muito bem, ocorre sempre durante a Festa de Santana e é aquela grande e calorosa manifestação. O GDS já tem mais de 70 anos de existência, portanto naquela festa se reencontram pessoas que não se veem há muito tempo. Haja cerveja! Haja vinho!  Haja beijos e abraços! Uma orquestra tocando alto. E tome mais vinho. E tome mais cerveja. Chega um determinado momento em que a galera só se comunica gritando. Se não gritar, não se faz entender. 
E a minha neta? Puxou-me pelo braço e berrou:
– Vovô! Eu tô gritando também!

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