quarta-feira, 16 de abril de 2014

“MENSAGEM A GARCIA” - Por Espedito Moreira

O mito que abarrotou a conta bancária de seu autor
Espedito M. de Mello*

     “Mensagem a Garcia” virou título de um artigo escrito pelo jornalista americano HelberHabbard, em 22 de fevereiro de 1899, publicado na revista “Phillistine” de sua propriedade. Segundo o autor, esse texto fora escrito para preencher espaço na revista que estava prestes a sair do prelo. A publicação do texto teria ocorrido sem título algum.

Ouvi, pela primeira vez, a expressão “Mensagem a Garcia” quando estava no meu curso de formação de fuzileiro naval. Já se passaram algumas décadas. No calor das instruções, era comum escutar essa expressão, proferida pelos instrutores: “vocês precisam ser capazes de entregar mensagem a Garcia”. Não havia detalhes dessa missão. “Isso é mais difícil do que levar mensagem a Garcia” soava, por vezes, como tarefa difícil de execução.

Durante alguns anos, habituei-me a ouvir expressões desse tipo, não lhe dando muito crédito, mesmo porque não dispunha de referencial.  Parecia “história de trancoso”.

Quando estava fazendo um curso por correspondência, ministrado por um estabelecimento de ensino de São Paulo, me enviaram, junto com outros materiais do curso, o texto da “Mensagem a Garcia”, até então incógnita. Exclamei: “Aleluia! Aleluia!...”Li-o várias vezes e depois o arquivei ou emprestei-o a alguém que não teve o cuidado de me devolvê-lo. Na época, era produto escasso. Hoje, a Internet tem esse texto de toda a forma e para todos os gostos.

Contam os fatos que naquela época, 1898, Cuba, há tempos, estava em guerra com a Espanha e buscava a sua independência daquele reino. Muitos cidadãos norte-americanos tinham negócios na ilha. Alguns dos ali domiciliados estavam inquietos com a situação. Para tranquilizá-los, os Estados Unidos teriam enviado a Cuba uma comissão que viajara a bordo do encouraçado Maine. O Império Espanhol não gostou e ordenou que sua Marinha afundasse a bela nave.

A esse episódio se juntaram outros, resultando numa guerra declarada entre os Estados Unidos e a Espanha.

Os Estados Unidos defendiam a independência de Cuba, tendo, como aliado, o comandante das forças insurretas, o general Garcia.

Irrompido o conflito hispano-americano, o importante era fazer contato com o chefe dos insurretos. O então presidente dos Estados Unidos, Mr. McKinley, precisava, urgentemente, comunicar-se com o general Garcia. O correio e o telégrafo, por razão de segurança, estavam fora de cogitação. Restava o canal mensageiro. Mas onde encontrar alguém capaz de localizar Garcia a fim de entregar-lhe uma mensagem? Esse homem existia? O que fazer?

“Há um homem chamado Rowan. E se alguma pessoa é capaz de encontrar Garcia, há de ser Rowan” - alguém teria dito ao presidente (na edição que li a primeira vez, esse alguém era um coronel, membro da equipe de assessores do presidente, e Rowan, sargento).

“Rowan foi trazido à presença do Presidente, que lhe confiou uma carta com a incumbência de entregá-la a Garcia. De como este homem, Rowan, tomou a carta, meteu-a em invólucro impermeável, amarrou-a ao peito, e, após quatro dias, saltou de um barco sem sequer uma cobertura, alta noite, nas costas de Cuba, de como se embrenhou no sertão para depois de três semanas surgir do outro lado da ilha, tendo atravessado a pé um país hostil, e entregue a carta a Garcia, são coisas que não vem ao caso narrar aqui pormenorizadamente”.
         ”O ponto que desejo frisar é este
(diz o texto): McKinley, o presidente, deu a Rowan uma carta para ser entregue a Garcia; Rowan tomou a carta e nem sequer perguntou: ‘onde é que ele está?

Aqui o autor despreza alguns condicionantes, cria um cenário utópico ou quase isso. Isto porque o conteúdo do texto funcionava mais como dogma do que como ferramenta gerencial. Por falta de algo mais significativo, teve seu valor naqueles tempos.

Vejamos: Rowan que fora indicado por alguém (o coronel), conhecido pelas suas qualificações, pelo conhecimento do ambiente operacional e por sua capacidade própria de agir, tendo aceitado a missão, teria passado por uma rigorosa “orientação”. Alguém seria capaz de negar isso. Ele, portanto, não teria que fazer pergunta alguma ao presidente. A glória estava tão somente em receber das mãos do próprio presidente McKinley o objeto da sua tarefa. Por outro lado, há alguém capaz de supor que Rowan saiu de Washington para Cuba montado numa mula e atravessou as águas do oceano, que divide os dois países, de caíque? Em virtude da importância da missão, é de convir que um navio da Marinha americana transportou-o até as costas da ilha cubana e, numa noite bem escura, deixou-o num pequeno escaler, tendo ele próprio remado até terra firme. Daí para frente, provavelmente, utilizou seus conhecimentos sobre o território cubano para alcançar o general Garcia.

Nenhum indivíduo inteligente seria capaz de dispensar ajuda para facilitar o cumprimento de uma missão difícil. É bom saber que é sempre aceitável contar com uma boa retaguarda.  “Dá-me uma alavanca e um ponto de apoio e eu moverei o mundo”, teria dito o físico grego Arquimedes, cerca de 300 a.C.

No meu entendimento, o autor generalizou, ou seja, na sua ótica, todos deveriam estar no nível de capacitação de Rowan. Ignorou que Rowan era um indivíduo específico para aquela missão. E, por isso, fora escolhido. Só para testar: se em vez de levar a carta a Garcia em Cuba, a tarefa fosse levar essa mesma carta ao príncipe Hilakoff, embrenhado nas terras gélidas da Sibéria, na Rússia, Rowan teria sido o escolhido? Duvido. É muito provável que ele teria dito: “esta não é minha praia”.

A maioria dos homens pode ser competente para cumprir determinadas missões, mas não todas as missões. Cada elemento precisa ser devidamente preparado. Esteja na base ou localizado em outro nível da pirâmide organizacional. Não basta só ter o poder de ordenar e de atribuir missão. Esse poder tem de estar vinculado à responsabilidade de quem o determina.  É necessário saber atribuir a missão à pessoa capacitada para cumpri-la.

De qualquer forma, “Mensagem a Garcia” tornou-se um bestseller. Vendeu milhões e milhões de exemplares a órgãos públicos e a empresas privadas de vários países: Rússia, França, Alemanha, Turquia. China, Japão, dentre outros. Disseminou-se sua filosofia por todo o planeta.

Nos tempos atuais, depois das modernas teorias de administração preconizadas por Taylor, Fayol, Elton Mayo e seus seguidores, será que é possível a adoção da “filosofia” formalizada por “Mensagem a Garcia”?

                Admita-se que alguém responda afirmativamente à questão colocada. Poderá alegar que de nada adiantam essas teorias se a maior parte das pessoas está à margem do sistema educacional e não tem acesso ao seu conteúdo. Mesmo visto por essa ótica, é preciso ter em mente que “Mensagem a Garcia” funciona na base da opressão, de exemplos individuais. Não se presta ao processo motivacional consciente. Chega a ser maquiavélica. Abre horizontes para procedimentos individuais. Não é algo que possa ser generalizado e aplicado a qualquer situação, pois carece de embasamento teórico-metodológico.

Para pôr fim a essa ilusão, é necessário um adequado processo de desenvolvimento educacional efetivo, eficiente e eficaz. Não basta só ser rico,isso qualquer um pode ser. Ser desenvolvido requer outras qualificações. O país que ocupar as primeiras posições no fator econômico e for um dos últimos colocados no Índice de Desenvolvimento Humano - IDH , “Mensagem a Garcia”  poderá continuar sendo aplicada. Mas apenas por falta de opção. Ou por falta de uma visão mais consciente. E, ainda assim, não deixará de ser uma inadequada ferramenta educativa.

Com a palavra, o leitor.


*Veterano, Fuzileiro Naval e escritor. 
 Do Blog: 

      Sobre Espedito Moreira de Mello "colunista convidado".

    É natural de Lages-RN. Veterano Fuzileiro Naval Especializado em Telecomunicações Navais. Graduado em Administração pela Universidade do Distrito Federal e pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Após 30 anos de bons serviços prestados a Marinha do Brasil, em Especial ao Glorioso Corpo de Fuzileiros Navais - CFN, ingressou, mediante concurso Público, no Governo do Distrito Federal - GDF onde exerceu cargo de chefia, desenvolveu e coordenou a implantação de projetos técnicos nas áreas de Organização Administrativa e de Sistemas e Métodos, na Fundação do Serviço Social e na Secretaria de Administração do GDF, nos anos de 1982 a 1998. Escritor, autor do livro MEMÓRIAS DE UMA TRÍPLICE JORNADA, entre outras publicações). Hoje vive em Parnamirim/RN, onde desfruta das benesses que aquela bela cidade Norteriograndense oferece.

Um comentário:

Anônimo disse...

A iniciativa faz a diferença