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Ver-o-peso
Anderson Coelho/Agência PLANO
Por Rosana Pinheiro, da Agência PLANO
Dona Isabel Trindade da Silva, 80 anos, é erveira no mercado Ver-o-Peso
há quatro décadas. Quando começou, no lugar das barracas, as poucas erveiras
demonstravam os produtos em tabuleiros. “Era muito bom, tinha bastante cliente
e as erveiras eram mais unidas”. O tempo passou e hoje 80 barracas se aglomeram
no setor de ervas do maior mercado aberto da América Latina. São cerca de 100
pessoas trabalhando no local.
Quem se aproxima do setor escuta os chamados simpáticos dos vendedores.
“Bom dia meu amor, venha ver o ‘chama marido rico’, tem ‘caído aos seus pés’,
‘chama dinheiro’”. Na década de 1970, Dona Isabel e o marido vendiam ervas em
Belém e tiveram a curiosidade de estudar os princípios ativos de cada um delas
em livros. Logo viram a oportunidade de oferecer produtos acabados e
combinações de ervas para os clientes. “Hoje o que mais sai é o banho sete
ervas, só erva cheirosa”, explica, sentada em frente às barracas 52 e 53.
A alguns passos dali, na barraca 75, o filho dela, João Trindade, aposta
em produtos originais. Uma de suas criações “infalíveis” é o “afasta chifre”,
uma poção capaz “de acabar com o fluxo de corno na sua casa”. “Claro que não
vai resolver chifres passados, é daqui pra frente”, alerta. Assim que criou a
receita – que guarda a sete chaves – João distribuiu um vidro para cada colega
do setor de ervas do Ver-o-peso. “E todo mundo aqui aprovou, tirando um que nem
quis testar. Já sabe o que aconteceu com ele, né?”
O mercado Ver-o-Peso foi inaugurado oficialmente em 1901. No século
XVIII, o local era usado pelos portugueses como posto de fiscalização de
entrada de mercadorias na capitania, então chamado de Casa de Haver o Peso.
“Existem registros da presença das erveiras desde o início, é um dos setores
mais tradicionais do mercado”, explica a antropóloga Dorotéa de Lima. Para ela,
as erveiras são responsáveis por aproximar a população urbana das tradições da
amazônia. “E não é só a venda do produto, elas oferecem uma consulta, conversam
muito com os clientes”.
Nas barracas 3, 4 e 5 e Miraci Trindade, outra filha de Dona Isabel, nos
dá as boas vindas. “Bom dia meu bem, o que você precisa?”. Se depender dela, a
tradição da família no Ver-o-peso não acaba tão cedo. “Hoje nossos filhos e
sobrinhos estão aprendendo as receitas também”, diz orgulhosa. Miraci lembra
com saudade da época em que a Natura assinou um contrato de repartição de
benefícios dos produtos da marca feitos com priprioca, cumaru e breu branco.
“Eles vieram aqui, deram curso pra gente e ensinaram como vender, como guardar
o produto, foi maravilhoso”. Em 2006, a empresa reconheceu o setor de ervas do
Ver-o-peso como provedor de conhecimento sobre as ervas e firmou contrato com a
associação, que já não existe mais.
Para Miraci, a ganância fez com que a parceria com a Natura rendesse
poucos frutos. “Não viram como um investimento a longo prazo, eles queriam
dinheiro na hora”, diz referindo-se a colegas que não ficaram satisfeitos
apenas com os cursos oferecidos pela gigante dos cosméticos. Miraci, pelo
contrário, tratou de se aprimorar quando teve a oportunidade. Hoje organiza a
sua barraca de acordo com os padrões ensinados por profissionais da Anvisa
trazidos pela Natura na época da parceria. “Não dá pra misturar tudo. Então em
uma barraca eu coloco só remédio, na outra produtos místicos e nesta aqui ervas
e chás”.
O carro chefe de Miraci é a chamada “pomada reumatosa” que serve para
artrite, artrose, dores musculares, dores na coluna, inchaço. Os produtos são
manipulados na casa dela, onde construiu um espaço só para isso. “Com o tempo
você vai estudando e descobrindo novas receitas. E também aprendendo o que pode
ou não ser misturado”. Miraci explica que um dos maiores erros dos erveiros
pouco experientes são as misturas que acabam anulando princípios ativos. “Tem
erva que anula o princípio ativo da outra, tem que tomar cuidado na hora de
misturar”.
Apesar do sucesso dos remédios, como o xarope para bronquite feito pelo
marido de Miraci que curou o filho do casal e virou produto, a feirante
acredita que a concorrência com redes de mercados e farmácia está diminuindo o
fluxo de clientes no setor de ervas. “O nosso produto é muito bom, mas ali no
mercado a pessoa tem a facilidade de dividir em várias vezes”. Já Dona Isabel
vê a crise econômica como grande vilã para a baixa nas vendas. “O pessoal está
economizando agora, mas já já voltam pra cá”. Nem por isso pensam em deixar o
mercado, onde chegam, todos os dias, às 6h da manhã. “Isso aqui é a minha vida,
a minha terapia, não troco por nada”.
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