quarta-feira, 9 de março de 2011

Trindade: O Brasil começa aqui...

Gazeta Online-ES 

07/02/2011 - 14h01
Vinícius Baptista

Vista parcial da ilha da trindade

Veja o diário de bordo do repórter Vinícius Baptista na expedição à Ilha de Tindade. Vamos contar como foram esses 12 dias de viagens, as aventuras na ilha, o contato com os animais e plantas que só existem lá e as histórias que ouvimos.
Clique em mais informações abaixo e veja a reportagem completa.

O pedaço de terra mais distante da costa brasileira. Onde o Brasil começa. Esse é o nosso destino: Trindade! Uma ilha de origem vulcânica no meio do oceano Atlântico. Há 1,2 mil quilômetros em linha reta de Vitória, e que pertence a Capital capixaba.
Mas nossa viagem começa no 1º Distrito Naval do Rio de Janeiro, na base do Mocanguê, em Niterói. Às margens da Baía de Guanabara, embarcamos no navio Almirante Saboia, da Marinha do Brasil.
Batizei a série como "Trindade: o Brasil começa aqui" por uma razão muito simples. É lá que começa o território brasileiro. O mar territorial brasileiro começa a partir de Trindade. De lá até a costa, só o Brasil pode pescar e explorar as riquezas do fundo do Atlântico. Entre essas riquezas está a vedete da economia mundial: o Petróleo da camada do Pré-Sal. É já existem uma série de estudos que mostram que o fundo do mar naquela região pode esconder uma grande quantidade do óleo.
Além disso a ilha está em uma região de grande importância estratégica para o país. Outros países, como Inglaterra e Estados Unidos, já demonstraram claro interesse em se apossar da ilha. Para os norte-americanos, Trindade seria um ótimo ponto para a construção de um escudo anti-mísseis.
A ilha é proibida para visitação. Só os marinheiros, pesquisadores devidamente autorizados e com seus projetos analisados podem desembarcar lá. E claro, alguns jornalistas que também precisam pedir autorização da Marinha. Que foi o nosso caso.
Neste Diário de Bordo, vamos contar como foram esses 12 dias de viagens, as experiências vividas a bordo, as aventuras na ilha, o contato com os animais e plantas que só existem lá, as histórias que ouvimos dos marinhos que passam meses longe de casa, tomando conta da ilha.
Primeiro dia
Eu e o repórter cinematográfico Rafael Zambe embarcamos por volta das 9 horas do dia 1º de dezembro de 2010, no navio Almirante Saboia. A embarcação é usada para transportar carros de combate, como aqueles que vimos na tomada do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. O navio construído em 1967, na Inglaterra, lutou, pela Marinha Inglesa, na guerra das Malvinas e nas duas guerras do Golfo. Em 2009 foi comprado pela Marinha Brasileira. A tripulação é composta por quase 400 marinheiros. Todos sob o comando do capitão-de-mar-e-guerra Oscar , que nos levou para conhecer de onde ele coordena a navegação.
Nesse primeiro dia, fomos recebidos também pelo capitão-de-corveta Samuel, chefe da Intendência do navio. Ele é como se fosse uma espécie de gerente da parte "hoteleira" do navio. É ele quem cuida das acomodações, do recebimento da alimentação e foi quem passou a maior parte do tempo com a gente.
Assim que deixamos a Baía de Guanabara, quando estávamos na altura da cidade de São Pedro da Aldeia, próxima a Cabo Frio, chegaram os helicópteros. Eram dois, um modelo Super Puma e outro Esquilo. Foi impressionante ver a perícia dos pilotos, que pousavam as aeronaves com o navio em movimento.
Como é de praxe, principalmente quando existem civis a bordo, passamos o primeiro dia ouvindo orientações de segurança, aprendemos a utilizar o colete salva-vidas e as balsas, e conhecemos também o interior do navio. Não é fácil circular por aqui. São muitas portas pesadas. Só para se ter uma ideia, da Praça D'armas, local onde fazíamos nossas refeições e aproveitávamos os momentos livres para assistir um filme ou TV, até nosso alojamento, passávamos por mais de 10 portas de metal.
Como estávamos exaustos, afinal, estávamos de pé desde às 4h30 da madrugada - saímos de Vitória no primeiro voo para o Rio de Janeiro, às 6h - fomos dormir cedo, logo depois do jantar. Com o ar condicionado da cabine na potência máxima, apaguei! Nem parecia que a cama era tão apertada.
A vida a bordo do navio, você consegue assistir na primeira reportagem da série.
Dias 2, 3 e 4 de dezembro
Quando acordamos depois da nossa primeira noite à bordo - muito bem dormida, por sinal - já nos surpreendemos ao ver o mar. Pela cor da água a gente entende porque a costa brasileira é chamada de Amazônia Azul. A coloração é diferente do azul que estamos habituados aqui na beira da praia. É um azul escuro, muito lindo. E desde cedo, dentro do navio, os trabalhos não param. São muitos exercícios, chamados pela tripulação de "fainas". E tanto trabalho da fome! No comando da cozinha está o sargento Edilson Celso. Por refeição são consumidos 15 quilos de arroz. Por dia, são 175 quilos de carne. Comida para um batalhão!
"O que não pode faltar a bordo é um grupo das 'adas': feijoada, rabada e buchada", explicou o cozinheiro-chefe, que morre de ciúmes do seu jogo de facas. Algumas sem as pontas. "É para evitar acidentes, afinal, nossa cozinha é em um navio que está sempre em movimento", comentou.
E foram assim os outros dois dias no mar. Andamos bastante no navio, gravamos bastante e fizemos novas amizades. Principalmente com a tripulação e com os outros civis a bordo. Além da nossa equipe, viajaram também uma equipe da TV Brasil, que foi filmar um programa de uma hora de duração sobre Trindade. Fizemos uma boa amizade com os colegas Waldyr Lima (cinegrafista), Vivian (produtora), a repórter Neise Marçal e o assistente Carlos Alexandrino (o nome mais falado na viagem!). Tivemos também a companhia de dois colegas de um jornal impresso de Londrina, no Paraná, um casal de Brasília, que foi a ilha fazer um documentário fotográfico, além de um outro fotógrafo de São Paulo. No navio também estavam pesquisadores, das mais diversas áreas, para estudar o ecossistema de Trindade.
Na terceira noite fomos dormir com muita expectativa, afinal, ao amanhecer o dia, teríamos a primeira visão do nosso destino.
Domingo, dia 5 de dezembro
Acordamos por volta das 7 horas e, ao sair da nossa cabine e subir para o convés do navio, "terra a vista"! As montanhas de Trindade ganhavam forma no horizonte. A visão era de tirar o folego. Todos ficam imóveis, calados, admirando a beleza e a imponência da ilha. Como na ilha não tem porto, para desembarcar vamos de helicóptero. Nosso primeiro contato é pelo alto. E o que vimos, impressiona. A transparência do mar é simplesmente indescritível. Ao chegar na ilha, uma placa informando que aquele território pertence a Vitória.
Nos alojamos, deixamos a bagagem em um auditório, onde os homens dormiam em colchonetes no chão, e começamos as filmagens. Iniciamos o trabalho perto do POIT - Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade. Nosso cinegrafista Rafael não sabia para onde apontava a câmera. Eram tantos lugares lindos, tantas imagens únicas que ele não queria perder nada.
Fomos até a Praia dos Portugueses, mostramos os destroços do navio chinês, gravamos algumas chamadas e começamos a entrevistar as pesquisadores. Primeiro ouvimos a Mariana Teschima, uma japonezinha do Paraná que foi estudar os caranguejos grapsus-grapusus. Conversamos também com a arquiteta Glyvani Rubim, capixaba e que faz mestrado na Ufes. Foi o departamento de arquitetura da Universidade Federal do Espírito Santo que projetou a Estação Científica da ilha, que vai dar mais estrutura e conforto para os pesquisadores trabalharem.
Não podíamos perder nem um minuto. Corremos então para a piscina natural do Parcel. No caminho encontramos o berçário das andorinhas do mar. Mamães invocadas tomando conta dos ovinhos na areia. Uma cena linda. Como não existem predadores para elas na ilha, conseguimos chegar pertinho, sem espantar as aves. Muito legal.
Depois de um mergulho na piscina natural de água transparente, cheia de peixes de aquário, voltamos para nossa "base" já na hora do jantar. Rafael, que é tricolor, ainda assistiu pela antena parabólica, o Fluminense dele ser campeão brasileiro. E tínhamos que ir dormir, afinal, o outro dia seria o mais pesado da viagem.
Segunda-feira, 6 de dezembro
Antes mesmo de o sol nascer já estávamos de pé. Tínhamos um dia árduo pela frente. Mochila pronta com água, pão e biscoito, além dos equipamentos usados na reportagem. Bota, calça e capacete. Tínhamos pela frente o maior desafio da viagem. Os 670 metros de altura do Pico do Desejado.
Nosso guia foi o sargento Ruy. Esse fuzileiro naval é uma espécie de síndico da ilha. Já esteve em Trindade 12 vezes. "Se eu pudesse trazer minha esposa e meus filhos, moraria aqui", comenta sempre. O experiente sargento nos passou as orientações, nos deu as dicas para tornar a caminhada menos sofrida e nos informou o ritmo da marcha. "Vamos caminhar sempre 30 minutos e parar 15 para descansar", orientou.
E lá fomos nós montanha acima. Até a primeira parada foi fácil, depois a situação começou a ficar tensa. A subida era ingrime, sinuosa, com pedras soltas, e com o peso dos equipamentos, tudo ficava ainda mais perigosa. "Ninguém deve olhar para o horizonte. Sempre para o chão porque senão vocês vão cair", alertou Ruy.
É claro que a vista era linda, mas a subida foi tensa. Foram quatro horas de escalada, passando por desfiladeiros e alguns pontos onde tínhamos que nos segurar em cordas para não cair.
No alto, a certeza de que valeu a pena cada gota de suar deixada para trás. O Desejado tem esse nome porque todos que vão a Trindade querem chegar lá, mas poucos conseguem. E nós conseguimos! Na segunda reportagem da série, mostramos essa nossa aventura. Lá dá para ver o estado em que eu cheguei lá em cima (molhado de suor!).
No alto do pico a gente vê o outro lado da ilha. Avistamos a famosa praia do M, onde a formação das pedras desenham o contorno da letra décima oitava letra do alfabeto. Nessa praia a areia tem 95% de ferro em sua composição. É o único lugar do mundo onde isso acontece.
Chegamos também na Floresta das Samambaias Gigantes. Arvores únicas no planeta, que chegam a 9 metros de altura.
O sargento Ruy nos contou sobre o trabalho de recuperação da flora na ilha. Em 1700 o astrônomo inglês Edmund Halley esteve em Trindade. Com a intensão de ajudar algum futuro náufrago não morrer de fome, Halley levou cabras para a ilha. Só que os animais se reproduziram, migraram para as montanhas e se tornaram selvagens.
Com o passar dos anos, as cabras comeram praticamente toda a vegetação nativa de Trindade, que na época era praticamente toda coberta por uma espécie chamada colubrina glandulosa . Em 2001 a Marinha chegou a conclusão de que para salvar a ilha era preciso exterminar os caprinos. Entrou em ação o fuzil do sargento Ruy, que levou quase 5 anos para matar todas as 256 cabras que estavam na ilha.
Na montanha companhamos também o trabalho do botânico Allan Faria. Ele faz parte do primeiro grupo do país a estudar os musgos de Trindade. Por volta das 2horas da tarde chegamos ao POIT famintos. Almoçamos, descansamos um pouco, e caminhamos mais uma hora para chegar novamente ao berçário das andorinhas do mar. Precisava gravar novamente algumas coisas por lá.
À noite, curtimos uma caranguejada para experimentar o sabor do bicho que invade a ilha toda vez que o sol se põe. O caranguejo é grande, amarelo e tem o gosto um pouco doce. É gostoso, mas eu prefiro os nossos retirados do mangue.
E o dia ainda não tinha acabado. Já passava das 11h da noite quando Rafael e eu caminhamos quase uma hora, só com a luz das lanternas e das estrelas, para encontrar o animal mas encantador da ilha: as tartarugas-verdes. Estar perto de um bicho desse tamanho é indescritível. Veja na terceira reportagem da série. Já passava das duas da madrugada quando fomos dormir. Cansados, mas com uma baita sessação de dever cumprido.
Terça-feira, 07 de dezembro
Acordamos cedo. Rafael foi fazer algumas imagens do nascer do sol enquanto eu me preparava para o momento por mim mais aguardado da viagem. Finalmente poderia mergulhar naquele mar transparente.
Rafael não iria mergulhar, mas resolvemos arriscar e levar a câmera no bote para que ele fizesse algumas imagens da gente no mar. Como diriam os marinheiros, "foi uma faina!". Passamos vários plásticos, daquele tipo filme que usamos na cozinha de casa, para enrolar a câmera. Passamos várias camadas, colocamos dentro de dois sacos plásticos bem grandes, e ainda passamos uma toalha envolta da máquina. Toda essa preocupação se justifica pelo fato de a câmera não poder molhar.
Não vou falar valores, mas pensem que o preço de uma câmera profissional é suficiente para comprar um bom carro zero! Ou seja, eu e Rafael teríamos sérios problemas se alguma onda rebelde resolvesse levar aquela máquina para o fundo.
Mas, graças a Deus e a habilidade do sargento Bruno, que pilotava o bote, nada de mal aconteceu como nosso equipamento.
Enquanto Bruno, que é capixaba de Viana, levava Rafael de volta para um lugar seguro e seco, eu e os biólogos Françoise Lima e Ítalo Braga aproveitamos o incrível visual do fundo do mar. Itálo passou mal e desceu na primeira parada. Eu e Fran continuamos o mergulho. Inclusive, usei a máquina dela, própria para mergulho, para registrar a enorme diversidade de peixes e outros bichos que encontrávamos pelo caminho.
Eram cardumes e mais cardumes de xaréu, barracuda, badejo e, principalmente o cangulo. O cangulo é um peixinho preto, que lembra muito o nosso peruá. Esse peixe é tão comum por aqui que os marinheiros o chamam de "peixe pufa" (pufa seria uma abreviação de "por favor de peguem"). Também vimos moreias, tartarugas, mas não tive a sorte de ver um tubarão. O mar de Trindade é cheio deles, mas, a fartura de peixes é tanta que eles não atacam os humanos.
Depois do mergulho recebemos a triste notícia de que deveríamos estar prontos para embarcar no helicóptero às 17 horas porque iríamos deixar a ilha mais cedo.
Mas ainda tinha uma imagem importante a fazer. Com o sargento De Lima como guia, seguimos por uma trilha de uma hora e meia até chegar na Gruta de Nossa Senhora de Lourdes. A história dessa gruta e as lendas que cercam a ilha estão na quinta e última reportagem da série. No caminho da gruta, avistamos a linda Praia do Principe.
Chega então o fim da nossa curta, mas inesquecível estadia em Trindade. Voltamos ao navio e ouvimos do comandante Oscar a notícia de que nossa viagem foi interrompida porque a Marinha recebeu a notícia de que um navio japonês de pescar baleias estaria pescando dentro do mar territorial de Trindade. Tínhamos então que ir atrás desses caras.
Mas, como o comandante disse que estávamos procurando uma "agulha num palheiro" e que só chegaríamos as coordenadas passadas no meio do outro dia, fui para meu velho camarote. Deitei triste porque tinha deixado a ilha, mas com o propósito de um dia voltar.
Quarta-feira, 08 de dezembro
Enquanto eu ainda dormia, Rafael acordou cedo. Ele, o cinegrafista da TV Brasil e o fotógrafo de Londrina receberam o convite do comandante de seguir no helicóptero em busca do baleeiro japonês. Ele me contou que passou muito frio na viagem porque a aeronave voa com a porta aberta. Depois de 3 horas de voo, eles voltaram com belas imagens do mar, mas sem nenhuma notícia dos japoneses. Eu aproveitei o dia para descansar e tirar o atraso do sono.
Dias 9, 10, 11 de dezembro
Nesses três dias de mar aproveitamos para fazer mais imagens. Gravamos os marinheiros malhando no navio. Aproveitei para tentar perder alguns quilinhos correndo junto com o comandante Oscar na improvisada pista de cooper, que ficava no convoo avante. O comandante se exercitava dando voltas ao redor do helicóptero. Muito legal. Tentei acompanha-lo, mas não consegui. Ele correu por uma hora. Eu só 30 minutos. Fizemos uma matéria bem legal para o Estação Esporte do meu amigo Jorge Buery sobre a vida esportiva dentro de um navio de guerra. "Mas do que manter a forma, que é uma exigência da nossa profissão, o exercício físico funciona como uma higiene mental. Nos ajuda a relaxar e a esquecer que estamos tão longe de casa. As atividades físicas são fundamentais a bordo", explicou o capitão-de-fragata Bruno Moraes, o Imediato do navio.
Assistimos ainda uma cerimonia para comemorar o Dia do Marinho (celebrado em 13 de dezembro). Foi bem legal. Todos de farda de gala, recebendo medalhas e ajudando a manter viva a tradição, que junto com a hierarquia, são um dos pilares principais da Marinha do Brasil.
12 de dezembro
O dia amanheceu e eu e Alexandrino (o auxiliar da TV Brasil) tivemos o privilégio de dar o "Bom Dia" no fonoclama do navio. Fonoclama é uma espécie de alto-falante que ecoa por toda a embarcação e passa os recados e orientações para a tripulação. Foi bem legal. Acordei o navio ao som de "Eu tô voltando pra casa" de Lulu Santos. Enquanto isso, pude admirar o Rio de Janeiro de um outro ângulo: de dentro da Baía de Guanabara. Só quem chega a Cidade Maravilhosa pelo mar pode ter esse privilégio. E o Rio, definitivamente, continua lindo.
Hora triste, de despedida dos amigos que deixamos no mar, mas que ficaram para sempre ancorados nos nossos corações. E depois de 12 dias, chegamos em casa com mais de 10 horas de filmagens, com blocos e mais blocos de texto escrito, mas, acima de tudo, com muita história para contar.

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